O Código Civil de 2002, que é a principal legislação sobre assuntos privados da sociedade, foi concebido sob a égide da socialidade e da eticidade, em reação ao modelo anterior, visto como excessivamente individualista.
A socialidade, nesse contexto, expressa a necessidade de que os contratos atendam não apenas aos interesses individuais das partes, mas também à função social, refletindo um equilíbrio com os valores coletivos. Isso se consolidou com o art. 421 do Código Civil, que estabelece que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Essa concepção busca afastar uma visão puramente liberal do contrato, aproximando-o de uma perspectiva constitucional, pautada pela solidariedade e pela dignidade da pessoa humana.
Ainda assim, tal socialidade não pode ser interpretada como imposição apriorística do coletivo sobre o individual, sob pena de se resvalar para modelos dirigistas incompatíveis com um Estado Democrático de Direito.
Com a promulgação da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19), surgiu um novo vetor interpretativo.
A norma reforça a autonomia privada e a valorização da livre-iniciativa, limitando a intervenção estatal nas relações contratuais privadas. Isso reaviva discussões sobre o real alcance da função social e se ela ainda prevalece como paradigma no Direito Contratual brasileiro contemporâneo.
Portanto, o desafio atual é harmonizar esses dois vetores – a socialidade originária do Código Civil de 2002 e a liberdade econômica trazida pela Lei nº 13.874/19 – sem perder de vista a centralidade da Constituição Federal, que impõe limites ao exercício da autonomia privada, especialmente quando há repercussões externas do contrato. O equilíbrio entre liberdade contratual e função social permanece como um dos temas mais relevantes na teoria contratual brasileira atual.
Diante disso, é importante lembrar que, embora as pessoas tenham o direito de fazer seus próprios acordos e negócios como quiserem, esses contratos não podem ignorar o impacto que causam nos outros ou na sociedade.
A liberdade de contratar não significa fazer o que quiser sem pensar nas consequências. O contrato precisa ser justo, respeitar a dignidade das partes envolvidas e não causar prejuízo a terceiros.
Ou seja, por mais que as leis incentivem a liberdade nos negócios, ainda é preciso equilíbrio, bom senso e respeito aos valores coletivos para que tudo funcione de forma justa e segura para todos.
Por: Fabrício Carvalho
Advogado OAB/SC 15.269
Advogado Especialista em
Contratos/Responsabilidade Civil/Direito Ambiental
*Coluna, ‘Direito Contratual/Ambiental’, publicada no Jornal O Celeiro, Edição 1877 de 08 de maio de 2025.