O Direito pelo Homo Juridicus

O ser humano é no mundo muito por seus sentidos, pelos efeitos que sua visão, audição, olfato, paladar e tato conduzem e, por muito tempo, garantiram sua sobrevivência. Conquanto e no transcurso de seu desenvolvimento civilizatório, seja por necessidade, seja por fluência natural dos acontecimentos, seja ainda, pela concretização de seu objetivo primordial, a felicidade – que sob a ótica aristotélica – apenas se dá pelas relações interpessoais, o ser humano tornou-se ¬social.

Nesse prumo e desde a noite dos tempos, a humanidade atribui significado ao que a cerca, institui signos, edifica e se apodera do termo “ser de razão” utilizando-se sobretudo da palavra, cujo resgate religioso e inexoravelmente influente no Ocidente, preleciona “do verbo”.

Desta feita e largamente precedente ao nosso nascimento, considerando a preexistência da sociedade, a lei da palavra, da comunicação da imposição de nomes e signos, fez-nos sujeitos de direito, sendo assim, para existir juridicamente, o indivíduo precisa estar vinculado às palavras que o liguem a outros indivíduos.

Per se, excresce-se desse cenário o homo juridicus, concentrando em uma única personalidade as dimensões biológicas e as conexões simbólicas constituídas e constitutivas do ser humano, cumprindo-se assim, o seu espectro finito e mortal, como também, sua função antropológica racional.

O Direito ascende no horizonte como uma obra absoluta e indubitavelmente humana, possuidora de elementos que apenas podem ser interpretados e entendidos ao abrigo dos valores veiculados, destacando-se, à título exemplificativo, as mutações de acepção de justiça nos mais diversos povos e nas mais diversas épocas.

Nessa premissa e forjado na vastidão da humanidade, o Direito também cumpre o encargo proibitivo, eis que, por intermédio da palavra, impõe limites a todos os indivíduos sociais e, se interpõe entre cada indivíduo e sua representação no mundo.

Por conseguinte, o homem jurídico modela a sua realidade e o mundo à sua imagem e, pelo Direito que modela incessantemente, é modelado e aperfeiçoado. Igualmente, o sujeito de direito é aquele que causa; que ao expressar-se, converte sua palavra – e sua ação – em lei, ou, objeto da lei, podendo assim ser reputado como o artesão de suas próprias leis.

Sem embargo e malgrado o paradoxo entre o ser e o dever-ser que acompanha e erige o ser humano, sua liberdade vê-se consagrada unicamente na medida em que o indivíduo, ainda que soberano de suas ações e omissões, mantenha-se submetido ao respeito das normas e das leis que regem a sociedade que está alocado.

Doravante e translúcido das obras de Hannah Arendt, o Direito certifica pela sua segurança jurídica a estabilidade de uma sociedade que, a cada nascimento de um ser humano, nasce um novo mundo e, nesse ciclo incessante, nesse movimento contínuo do desconhecido, a lei cerca barreiras e endossa a liberdade do ser.

Assim, a personalidade jurídica – esta que deve ser entendida no sentido pessoal e não empresarial – teve como marco fundador a Declaração Universal dos Direito Humanos e orientou-se fundamentalmente à salvaguarda da dignidade humana. Deste pilar que visa assegurar o constante desenvolvimento saudável e satisfatório do homem, estende-se outrossim, ao fomento da realização pessoal-individual, uma vez que desvela sobre si a proteção jurídica.

A contemporaneidade trouxe consigo a complexidade da sociedade, alicerçada, segundo Niklas Luhmann, na multiplicidade de sistemas sociais interconectados, ocasião em que o Direito a a ser, necessariamente, compreendido na perspectiva macro. Por oportuno e nestes termos, insculpiu-se o conceito de autopoiese social, em que resta configurada a autorreferencia do sistema e, ainda, a sua autoprodução.

Dessarte, o sistema jurídico contemporâneo e complexo, tal como o próprio ser humano, produz a si mesmo e, concomitantemente, produz a realidade externa, ditando normas e procedimentos moralmente caros à sociedade.

Bianca Dutra Brocardo

Em sentido harmônico à Alain Supiot, o Direito pode ser visualizado como uma técnica aprimorada desde seus primeiros os até o presente imediato e, ainda, uma técnica capaz de humanizar os meios criados pelo próprio ser humano, dos quais podem ser distintos o trabalho, os contratos, as relações comerciais, de consumo, pessoais, acadêmicas, entre outras, sem que o criador fosse destruído pela sua criatura.

In residuum e malgrado o Direito carregue entre seu baluarte a estigma restritiva de seu viés mandatório, este deve ser visualizado e apreendido pelo prisma da potência humana, uma vez que seu sustentáculo é o próprio ser humano, indivisível, partícula da sociedade, único, distinto e exclusivo, constituindo um fim em si mesmo.

Por:Bianca Dutra Brocardo – OAB/SC 53.190
Especialista em Direito e Processo do Trabalho
Conselheira Titular da Subseção de Campos Novos/SC
Graduanda em Filosofia pela UNISUL

*Coluna ‘OAB em Destaque’, publicada no Jornal O Celeiro, Edição 1831 de 30 de maio de 2024.

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