O conceito jurídico de animal de estimação, pela visão doutrinária do ado, estaria disciplinado no Código Civil, em seu art. 82 (São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social). Com esta definição não teriam direitos, pois suas garantias estariam relacionadas aos direitos dos donos, ligado aos institutos da posse e propriedade.
Entretanto, em recentes decisões, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que pese mantenha a definição, trouxe uma espécie de “alargamento” por entender não ser mais possível e justo quando envolver litígios sobre os bichos de estimação, especialmente ao “direito de visitas”.
Em um dos casos o ministro Luis Felipe Salomão considerou, que “não se mostra suficiente o regramento jurídico dos bens para resolver, satisfatoriamente, tal disputa familiar nos tempos atuais, como se tratasse de simples discussão atinente à posse e à propriedade”.
Para Salomão, não se trata de humanizar o animal, tampouco de equiparar a posse dos bichos com a guarda de filhos, mas de considerar que o direito de propriedade sobre eles não pode ser exercido de maneira idêntica àquele relativo às coisas inanimadas ou que não são dotadas de sensibilidade.
“Penso que a resolução deve, realmente, depender da análise do caso concreto, mas será resguardada a ideia de que não se está diante de uma ‘coisa inanimada’, sem lhe estender, contudo, a condição de sujeito de direito. Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos” – afirmou o ministro ao manter o julgamento de segundo grau, enfatizando a necessidade de que tal análise seja voltada para a proteção do ser humano e de seu vínculo afetivo com o animal.
No mesmo sentido do recurso (REsp 1.944.228), a Terceira Turma abordou o tema ao analisar controvérsia sobre a divisão de despesas com os animais de estimação após o fim do relacionamento de um casal. Os gastos diziam respeito a seis cachorros, todos adquiridos durante a união estável. De acordo com os autos, após a separação, o ex-companheiro teria deixado de contribuir para a manutenção dos bichos.
Para o ministro do caso, com base na atual legislação sobre o tema, não seria possível falar no custeio das despesas com os animais no contexto do instituto da pensão alimentícia – típico das relações de filiação e, portanto, regido pelo direito de família.
Segundo Bellizze, as despesas com o custeio da subsistência dos animais são obrigações inerentes à condição de dono, ainda mais relevantes no caso dos bichos de estimação, que dependem totalmente dos cuidados de seus donos. Essa característica, apontou, torna fundamental analisar como as partes definiram o destino dos animais ao término da relação.
“Se, em virtude do fim da união, as partes, ainda que verbalmente ou até implicitamente, convencionarem, de comum acordo, que o animal de estimação ficará com um deles, este ará a ser seu único dono, que terá o bônus – e a alegria, digo eu – de desfrutar de sua companhia, arcando, por outro lado, sozinho, com as correlatas despesas”, apontou.
Em 2019, o Senado Federal aprovou o PLC 27/2018, segundo o qual os animais deixam de ser considerados objetos e am a ter natureza jurídica sui generis, como sujeitos de direitos despersonificados. Em consulta pública feita pelo Senado, a proposição recebeu aprovação de mais de 24 mil pessoas, contra apenas 731 votos negativos.
O projeto reconhece nos animais a condição de seres sencientes – ou seja, que têm sentimentos – e altera o Código Civil para que não sejam mais considerados bens semoventes. Como a proposta teve início na Câmara dos Deputados e foi aprovada com alterações no Senado, o projeto retornou à primeira casa para nova análise (PL 6.054/2019).
Neste ano, a Câmara dos Deputados recebeu o PL 179/2023, que busca regulamentar a família multiespécie – definida como a comunidade formada por seres humanos e animais de estimação – e prevê uma série de direitos para os pets, inclusive pensão alimentícia e participação no testamento do tutor.
Por: Fabrício Carvalho . Advogado . OAB/SC 15.269
Especialista em Direito Ambiental
*Coluna ‘Direito Ambiental’, publicada no Jornal O Celeiro, Edição 1782 de 08 de junho de 2023.