Padrões de beleza: A prisão sem grades que encarcera milhares de mulheres

O universo feminino, por anos, vem sendo diminuído por padrões injustos.  A representatividade pode fazer a diferença na vida delas.

Peso entre 50 a 55 kg. 1,70 de altura no mínimo. A pele clara, mas levemente bronzeada pelo sol de praia. Cabelos sempre longos e lisos, com nuances loiras. Barriga chapada e músculos tonificados. Nada de estrias, nem celulite ou flacidez. Boca carnuda e rostinho fino, aspecto angelical exalando uma juventude eterna. É este reflexo que você vê no espelho ou estamos descrevendo uma modelo na capa de revista?

Padrões elevados como estes tem levado muitas mulheres a se odiarem e ter sérios problemas de auto-estima. Mesmo causando um efeito devastador eles sempre existiram e foram reforçados e modificados no decorrer da história. A cada geração um novo belo surge e as mulheres que não se enquadram ficam no limbo. As mudança, de acordo com a psicóloga Juliane Mattos da Rosa, acontecem de acordo com o contexto histórico, cultural e social ao qual o indivíduo está inserido, portanto o conceito de belo sofre transformações ao longo da história. Mas afinal quem criou esses padrões e porque precisamos segui-los?

Muito se fala sobre o papel da mídia em geral na difusão dos conceitos de padrão de beleza. Durante anos a televisão e o cinema ajudaram a construir a ideia de um padrão ideal. Hoje esses veículos abrem espaço para as redes sociais, a mais nova ferramenta que produz os padrões beleza. “Atualmente temos uma possibilidade imensa de o a informação, seja através dos meios de comunicação, como o Facebook e Instagram, e também através do meio o qual estamos inseridos. Neste sentido, os padrões de beleza são manifestados mais facilmente”, explicou a psicóloga. Não estar a altura desse modelo leva a um sentimento de frustração que pode desencadear muito problemas emocionais. “A busca por esse padrão de beleza, o qual muitas vezes ultraa a realidade pode ser um o fundamental para o desencadeamento de patologias diversas. Além de transtornos alimentares, podem surgir estresse, depressão, ansiedade” e baixa auto-estima”, continuou.

Todo este modelo de beleza pregado ao longo do tempo leva a um estereótipo que não respeita e nem incentiva as diferenças. E o Brasil é um país rico em suas diferenças. Conversamos com três belas mulheres que contam sobre sua experiência e sobre o que acham dos padrões estabelecidos e o quanto eles podem ser cruéis.

Gabriela Niebuhr

Gabriela Niebuhr tem 14 anos e uma inteligência que impressiona. Apesar de ser linda, sua beleza negra está fora dos padrões que há anos predominaram no mercado da beleza. O que ela pensa sobre isso? “Para muitas meninas negras o padrão de beleza atual é muito difícil, pois você não se identifica em nada, se sente muitas vezes feia ou insuficiente por não ter nada haver com a ‘modelo’ da revista ou até com a sua colega. “Acho tudo isso cruel, não incentiva a diferença”, desabafou, comentando também a importância da representatividade nos dias atuais. “O mais importante é fazer com que a mulher se sinta igual aos outros. Isso pode começar desde cedo na escola. Não devemos julgar sua aparência em nenhum momento e nem se referir a uma pessoa negra como uma “atração ou algo exótico”. Desde cedo devemos ensinar para meninas e meninos que o seu cabelo é lindo, e que a sua cor é perfeita”, refletiu Gabriela. Apesar de ainda haver o racismo impregnado na cultura brasileira, ela mantém uma boa auto-estima e diz se espelhar em mulheres empoderadas. “Uma mulher empoderada não tem medo do que os outros pensam dela, usa a roupa que quiser, o brinco que quiser e a maquiagem que quiser. Isso é ser bonita”, afirmou convicta.

Vanessa Suzin

Vanessa Susin também refletiu sobre os modelos projetados de mulher bonita, e afirma que apesar de tudo consegue ver uma evolução promovida pelas próprias mulheres. “Antes tínhamos um padrão opressor. As mulheres sofriam muito devido aos comentários. Hoje já vemos o mercado Plus Size quebrando alguns padrões. O mais importante é que as pessoas se sintam bem. Hoje somos mais dependentes, fazemos o que queremos, andamos com a roupa que queremos mesmo estando acima do peso. Mas ainda há muitos tabus a serem quebrados, ainda existem muito comentários maldosos. A população precisa abrir a mente e ser mais evoluída”, disse Vanessa, que destacou o que de fato faz uma mulher ser bonita. “Se você estiver feliz consigo mesma você é uma mulher bonita. Não é só a beleza física que importa, o interior precisa ser belo. O emocional e o psicológico também contribuem para nos sentirmos bonitas e não nos deixar levar por padrões ou pelo que outros dizem”, reforçou.

Marli Becker

Sobre padrões, Marli Becker também comentou que não se sente representada pela indústria da beleza que evoca a juventude eterna. Com mais de 40 anos, Marli considera um privilégio as marcas do tempo e se posiciona contra os padrões que valorizam apenas a estética e não a essência do ser humano. “O mercado trabalhou fortemente um estereótipo. Há uma imposição que as pessoas sejam jovens para sempre. Mas a beleza se encontra de várias formas. Todos têm os mesmos direitos e não precisamos ter vergonha de nada, precisamos assumir o que temos e ser feliz dessa forma. Não devemos permitir que nos seja colocado de forma intransigente o ideal de belo e que só assim seremos aceitos. Temos tratamentos estéticos que não agridem tanto a aparência e tudo bem, mas não devemos deixar que isso se torne obsessão. É preciso trabalhar um pouco mais o amor próprio e a auto-estima. A velhice traz uma forma de beleza diferente e temos que aprender a valorizar isso”, compartilhou Marli, que também comentou sobre a mudança paulatina que tem ocorrido na mídia e sobre a importância de exaltar os demais tipos de beleza. “É muito bonito ver um comercial que mostra as mulheres em suas variadas formas. O sistema precisa colaborar para que as pessoas sejam felizes. O mundo esta se abrindo e aos poucos abandonando os pensamentos pequenos que só aquele padrão é bonito”, refletiu ela, afirmando que o que faz alguém bonito é o conjunto de qualidades que possui como humildade, simpatia, amabilidade, educação e sensibilidade.

O depoimento dessas três mulheres representa o sentimento de muitas que se sentem como se estivessem em prisões sem grades. Felizmente falamos com mulheres empoderadas, com auto-estima elevada, que se aceitam e que conseguem ver a pluralidade da beleza não se deixando levar por padrões cruéis e injustos. Sobre o real conceito de beleza e a importância da aceitação, a psicóloga Juliane refletiu: “Cada ser é singular, cheio de qualidades, defeitos e medos. O que é belo para você, pode não ser belo para o seu vizinho. São experiências, sensações e percepções as quais levam cada um a perceber a beleza de uma forma diferente. A beleza está presente no dia a dia, não existe uma regra para considerar-se bonito, no entanto, o que se torna essencial é sentir-se bem consigo mesmo. A perfeição é algo que pode ser inatingível. A auto aceitação é o ponto chave para a construção da subjetividade, é permitir se conhecer mais profundamente, e apaixonar-se pelo que há de mais extraordinário: Você”.

*Reportagem publicada no jornal ‘O Celeiro’, Edição 1614 de 20 de Fevereiro de 2020.

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